Tem sido cansativo, doloroso e amargurante viver essas últimas semanas. Quando me pediram para escrever um texto sobre esses últimos tempos, eu pensei seriamente que não seria capaz, ainda penso, na verdade. Escrever sobre uma ferida que sangra parece tão fora de propósito, afinal, o mais importante é fechar e tratar do corte por onde se esvai a vida, não? Mas e quando não parece haver uma forma de fechar essa ferida? Quando todos os dias, semanas, meses, anos o que te feriu parece entrar cada vez mais fundo na carne?
Racismo não deixa a ferida fechar. As vidas perdidas, sejam elas pela violência policial, sejam pelos danos psicológicos que ele nos causa são a mais vil das facetas desse mal que nos atormenta a centenas de anos. Pode parecer até batido usar a escravidão como explicação para o que estamos vivendo, só que não falar sobre escravidão é apagar 300 anos de morte, tortura, sequestro e desumanização que ‘acabou’ a menos da metade do tempo que durou.
Mas nesse texto eu não quero falar sobre o que sofremos a 428 anos, eu quero falar sobre e para aqueles que perpetuam essa violência sobre nossos corpos, quero falar com aqueles que obtêm vantagem com um sistema que nos mantém cativos, nos mantém com medo, nos mantém em silêncio. Branquitude (sim, essa palavra existe), o que estamos exigindo de você pode parecer absurdo e até mesmo cruel do seu ponto de vista, afinal, não foi essa geração que comprou seres humanos, os últimos escravocratas morreram a muito tempo, não é mesmo? Quando a escravidão foi abolida, todos passaram a ser iguais, não é mesmo?
Não, não mesmo, os últimos dias estão aí para provar e se nossas vozes e nossos cartazes e nossos protestos não forem suficientes, olhem a porcentagem das mortes violentas, dos encarceramentos, dos CEO’s, dos juízes, dos jogadores de futebol, das empregadas domésticas. A desigualdade está ali, totalmente exposta e sem vergonha nenhuma da sua nudez. Se você se envergonha dela, faça algo.
E que esse algo não se limite a postar uma frase nas suas redes sociais, eduque-se!
Leia Angela Davis, Frantz Fanon, Grada Kilomba, Djamila Ribeiro, Carolina Maria de Jesus, Ana Maria Gonçalves, Conceição Evaristo, Chimamanda Adichie, Sueli Carneiro e tantos outros e outras que fazem um trabalho incrível em transcrever em palavras, ficcionais ou acadêmicas, aquilo que vivemos todos os dias. Dê oportunidade, é sempre mais fácil escolher a pessoa com o maior currículo e o CEP certo, mas a escolha mais fácil dificilmente é a que irá causar alguma mudança.
Por fim, peço que adote como regra fazer o Teste do Pescoço. Quando chegar em algum lugar, seja um restaurante, o escritório em que você trabalha, lojas que frequenta, ou mesmo grupos de amigos, estique seu pescoço e olhe em volta. Quantos negros estão nesses lugares? E, dos que estão presentes, quantos deles são clientes e quantos são empregados? Quando as respostas não forem satisfatórias, use seus privilégios para fazer algo em relação a essas questões, pergunte, cobre, se posicione.
Todos nós temos muito a ganhar em uma sociedade mais justa e igualitária e, lutando juntos, temos muito mais chances de alcançar a sociedade que desejamos e merecemos.