- Sueli Carneiro nasceu na Lapa, na cidade de São Paulo. Primogênita da família de 7 filhos, ela aproveitou as “vacas gordas” da família, que empobreceu na medida em que foi aumentando. Aos 6 anos, foram para a periferia, onde a menina cresceu numa casa sempre cheia de familiares e agregados.
- O pai, semi-analfabeto, era um mineiro do campo, que trabalhou em 21 estados até se radicar na capital paulista como ferroviário. Em São Paulo, ele conseguiu arranjar empregos para muitos parentes e amigos de Minas, que formaram uma grande comunidade operária, com muita consciência racial.
- Já a mãe de Sueli tinha o primário completo, curso de datilógrafa e trabalhou como costureira antes de casar. Ganhava até mais do que o futuro marido. Depois do casamento, contudo, ela foi proibida de continuar com o ofício. E para evitar que as filhas seguissem a mesma sina, ela ensinou as 4 meninas a nunca baixarem a cabeça para nada nem para ninguém.
- A matriarca se recusava a ensinar as prendas domésticas para as filhas, e seu lema era: “nunca dependa do seu marido para comprar suas calcinhas” (só se for um mimo, tipo uma bag da Pitaya, mas dependência, não!). Foi sob influência dessa mãe durona que Sueli se dedicou aos estudos e à busca por independência econômica.
- Aluna dedicada, Sueli seguiu para a universidade de filosofia da USP em 1971, em plena ditadura. Em um clima de revolução cultural e sexual despertados pelos acontecimentos mundiais de maio de 1968, ela foi ávida leitora de pensadores como Malcolm X, Nelson Mandela e Patrice Lumumba.
- Em casa, o ato de rebeldia foi o namoro com Maurice, jovem estudante branco que prestou vestibular junto com ela. Eles se casaram logo após ingressarem na universidade, e a união que durou 10 anos gerou a filha Luanda.
- Foi a partir de Maurice também que Sueli se aproximou do candomblé, que foi decisivo na sua formação como ativista negra. Afinal, Sueli é Ogun, é o senhor da transformação, que abre os caminhos.
- Mesmo depois de ter sido fichada pelo DOPs do regime militar, Sueli seguiu a trajetória acadêmica e concluiu doutorado em filosofia. Ao longo desse caminho, ela foi se aproximando dos movimentos sociais, e adquirindo as ferramentas para refletir sobre a realidade das mulheres negras.
- A década de 1980 foi determinante para o surgimento de novas organizações do movimento negro no Brasil, o que ampliou a participação das afrodescendentes em diferentes espaços institucionais. Foi nesse contexto que, em 1982, Sueli, ao lado de outras mulheres negras, formou o Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo. O objetivo era superar tanto o racismo do feminismo como o machismo do movimento negro.
- Em 1983, por exemplo, já no processo de redemocratização nacional, Sueli foi uma das lideranças que se engajaram na abertura de espaço para negras no recém criado Conselho Estadual da Condição Feminina, órgão então formado por 32 mulheres, todas brancas.
- Com toda a bagagem acadêmica e de ativismo, em 1985, Sueli Carneiro e Thereza Cristina escrevem juntas o livro “A Mulher Negra”, que explora justamente a imensa diversidade de mulheres. Com dados do censo, elas apresentaram as diferenças gritantes entre as mulheres brancas e negras em termos de renda, educação e saúde no Brasil. O livro foi um marco para o feminismo brasileiro, cada vez mais atento às questões de raça.
- Em 1988, no centenário da abolição da escravidão no Brasil, Sueli foi uma das fundadoras do Geledés – Instituto da Mulher Negra, primeira organização negra e feminista de São Paulo. O Instituto desenvolve trabalhos na área de saúde, política e assistência jurídica, com foco na melhoria da situação geral do negro no país, em especial das mulheres.
- No ano de criação, o instituto já contribuiu para aprovar a criminalização do racismo, na Constituição de 1988. Desde então, o Geledés tem promovido projetos que são referência em termos de assistência à população negra, tendo recebido diversos reconhecimentos e financiamentos.
- Além de arregaçar as mangas no instituto, Sueli é responsável também por uma vasta produção voltada para relações raciais e de gênero na sociedade brasileira. São mais de 150 artigos publicados em jornais e revistas, assim como 17 em livros, que buscam fazer convergir ativismo e reflexão teórica.