Nos anos 60, numa família de classe média urbana, a virgindade era um passaporte para um bom casamento, com marido sustentando a casa e a mulher cuidando da família; as mulheres desquitadas eram consideradas um perigo para as casadas e a profissão ideal, para as que insistissem em trabalhar, era o magistério, um ambiente predominantemente feminino que permitia pouco tempo de permanência fora de casa.
Cinquenta anos depois, no mesmo tipo de família, a vida sexual passou a ser admitida independente do casamento, no espaço familiar e, em muitos casos, com liberdade de escolha do gênero sexual desejado. Mulheres vivem junto com seus parceiros, casam ou não e se separam quantas vezes acharem necessário. E trabalham para viver em inúmeras profissões, dividindo com os homens espaços profissionais antes masculinos.
Dizem os estudiosos do século XX que uma das maiores transformações sociais ocorridas no planeta neste período foi a emancipação feminina, principalmente pela entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho e o surgimento dos modernos métodos anticoncepcionais.
Observada de longe, esta mudança radical pode parecer uma trajetória pacífica, mas não foi. Muitas mulheres foram as “ovelhas negras” das famílias, que ousaram desafiar os padrões culturais, pagaram o preço do preconceito e abriram as portas para as gerações seguintes.
Antes delas, milhares de mulheres se lançaram à luta, em diferentes regiões do mundo, desde o final do século XIX, pelo direito de voto, conquistado no Brasil, em 1932, inicialmente apenas para as casadas e com a autorização dos maridos ou as viúvas com renda própria, e a partir da Constituição Federal de 1934 para todas as mulheres com renda própria.
Milhares de trabalhadoras, principalmente operárias, cujos salários compunham a renda familiar, lutaram por jornadas e salários que lhes permitissem sobreviver. Desde a marcha das operárias russas por “Pão e Paz”, de um lado mundo, com cerca de 90.000 mulheres, em 8 de março de 1917, passando pelas trabalhadoras europeias, até o outro lado do planeta, nos Estados Unidos, com a famosa greve das mulheres que trabalhavam em uma fábrica de confecção de camisas em Nova York, em 1908. Somente em 1975, a ONU oficializou o dia 8 de março como Dia Internacional da Mulher, voltado para o combate das desigualdades e discriminação de gênero em todo mundo.
Muito foi conquistado e muito há para a conquistar. No início do século XXI, mulheres em todo mundo continuam lutando por melhores condições de trabalho e realizando marchas contra o feminicídio e por seus direitos sexuais e reprodutivos. No Brasil, só no primeiro semestre de 2020, durante a pandemia do coronavírus, ocorreu uma média de 3 feminicídios por dia.
Da caminhada realizada até aqui nos fica uma certeza, que une mulheres em todo mundo: estamos juntas.
Socióloga Maria da Graça Bulhões
Membro da coordenação do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito.